quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Santos Feiticeiros I

A Virgem da Luz
por Mephisto

Assim demos ainda maior crédito à palavra dos profetas, à qual fazeis bem em atender, como a uma lâmpada que brilha em um lugar tenebroso até que desponte o dia e a Estrela da Manhã se levante em vossos corações.


– 2 Pedro 1:19




Uma das características mais marcantes da bruxaria está na sua capacidade de tomar pra si símbolos sagrados variados pra serem manipulados por seus praticantes, de forma a encaixá-los nas suas práticas e crenças pelo princípio da analogia e pelo reconhecimento de um sentido universal implícito, perene, nesses símbolos. Dentro dessa prática, a que mais me chama atenção é o uso da imagem de santos católicos como representações de conceitos que transcendem a mera experiência corpórea vivida por esses homens e mulheres ungidos pela graça divina. Observando isso, eu decidi escrever, dentro das minhas limitações, sobre as percepções que tenho obtido das leituras e reflexões com as quais a minha mente se ocupa quase que 100% do meu tempo e dedicação. Pra isso eu criei essa sessão de pequenos textos amadores denominada "Santos Feiticeiros" onde eu vou tentar reconhecer nessas figuras muito dos assuntos que são pertinentes à bruxaria, baseando-me nos ensinamentos de muitos pensadores, homens e mulheres sábios da Arte.

Uma figura que recentemente tem se mostrado pra mim de forma bastante intrigante é Santa Luzia (ou Santa Lúcia). Luzia, como qualquer outro santo, tem uma história fascinante de devoção e martirização. Ela era uma jovem siciliana de uma família nobre em Siracusa e praticava em segredo o cristianismo, fato que a levou a fazer um voto de castidade perpétua. Logo após a morte de seu pai, sua mãe, Eutíquia, arranjou-lhe um casamento com um nobre pagão, no entanto, Luzia pediu pra que o casamento fosse adiado em decorrência de uma doença que acometeu sua mãe. Luzia era devota de Santa Ágata de Catania, ao santuário da qual convenceu sua mãe de ir buscar por uma cura. Recebendo a graça, a mãe consentiu com a fé da filha e cancelou o casamento. O noivo, porém, não se deu por satisfeito e a denunciou ao governador Pascásio, na época em que o imperador Diocleciano perseguia os cristãos. Detida, foi condenada a servir num prostíbulo por dar valor demais a sua virgindade. No episódio, os homens não conseguiram mover-lhe o corpo, que se mantinha pesado como uma montanha. Jogaram-lhe resinas e azeite quentes sobre ela, não sofrendo, no entanto, nenhum machucado. Por ter se recusado a prestar sacrifício aos deuses, Luzia teve seus olhos arrancados, dizendo preferir isto a trair sua fé, sendo que depois eles foram miraculosamente restituídos. A tradição oral conta que Luzia morreu degolada, no dia 13 de dezembro de 303-304. Seu nome deriva do latim, Lux, significando "Luz". No dia de sua festividade, uma jovem moça é eleita pra representar Luzia, vestida de branco e com uma coroa de sete velas, que lidera a procissão.

Podemos identificar na história de Luzia muitos símbolos relacionados ao papel divino da Illuminatrix, ou Iluminadora. Esse papel é desempenhado por inúmeras divindades dentre as quais podemos citar, por exemplo, Hékate, que antes de ter seu culto aderido pelos romanos que a representavam como uma mulher velha, era descrita como uma jovem e virgem garota que emanava uma luz muito intensa. Hékate também aparece com os epítetos de Dadouchos, ”Aquela que carrega as tochas”, e Phosphoros, ''Aquela que carrega a luz", título que também dá nome ao planeta Vênus como Lúcifer, a Gloriosa Estrela da Manhã. A relação de Luzia com Vênus pode ser expressa nas sete luzes que encabeçam a jovem escolhida para representá-la em sua procissão. O número 7 é, na Qabalah Esotérica, associado à sétima Sephirah da Árvore da Vida, Netzach, que é a esfera do planeta Vênus. É inevitável também não percebermos uma ligação de Luzia com as Plêiades, uma aglomerado estelar composta por muitas estrelas, sete das quais se fazem mais evidentes, o que a fez ser conhecida também como "As Sete Irmãs". Agrippa no seu Filosofia Oculta conta que como talismã "[...]era feita uma imagem de uma pequena virgem ou a figura de uma lâmpada; dizia-se que ela aumentava a luz dos olhos, invocava espíritos, levantava ventos e revelava coisas ocultas." (Segundo Livro, Cap. XLVII). As Plêiades fazem parte da constelação de Touro, signo regido por Vênus, e são de natureza lunar e marcial. A causa da morte de Luzia também é curiosa, uma vez que nos ensinamentos orientais sobre os chakras, Visudha, o centro da garganta, onde Luzia recebeu um golpe de facada, é associado ao planeta Vênus.

Luzia recusou-se a casar pra assim manter sua virgindade como uma forma de devoção a Cristo. Ao fazê-lo, ela se tornou uma noiva virgem do Cordeiro. Tal casamento místico é retratado no Tarô pelos arcanos do Imperador e da Imperatriz. O Imperador é associado ao signo zodiacal de Áries, regido por Marte e simbolizado por um Carneiro (o cordeiro é um carneiro jovem), e sua consorte, a Imperatriz, arcano associado à Vênus, carrega um escudo com uma pomba figurada em seu centro. A pomba também é um símbolo de Sophia, o arquétipo feminino de Deus adorado pelos gnósticos. Tymothy Freke e Peter Grandy no livro “Jesus and the Lost Goddess: The Secret Teachings of the Original Christians” (2001, p.151) dizem:

"De acordo com Ptolomeu, Jesus fundiu-se com o arquétipo de Cristo em seu batismo. Na história do Evangelho, quando Jesus é batizado, a voz de Deus anuncia: “Este é meu filho amado, com quem me comprazo", e o Espírito Santo desce na forma de uma pomba. No ciclo do mito cristão, sabemos que o Espírito Santo é um pseudônimo da Deusa. Heracleon e Ptolomeu dizem-nos que a pomba simboliza "Sophia, a Mãe Superior”. A pomba era símbolo da Deusa difundido no mundo antigo e foi adotado pelos cristãos como um símbolo de Maria."

É sabido que o Espírito Santo é representado tanto pela pomba quanto por línguas de fogo que caem do céu, numa manifestação de intensa relação prometéica. Luzia, enquanto Noiva de Cristo, é a hipóstase que nos lembra da necessidade do feminino no trabalho criativo do Logos (Cristo), a Palavra de Deus, que no princípio ordenou “Que haja Luz!”. Nossa Senhora das Candeias parece partilhar com Luzia esse aspecto iluminador, com a diferença que Luzia se mostra no aspecto terreno como a "Virgem Noiva de Deus" e Nossa Senhora o aspecto celestial enquanto "Mãe de Deus"; uma relação também percebida entre Naamah e Lilith, Herodias e Diana, Maria Madalena e Shekinah.

Nos ensinamentos orientais, a Kundalini é a serpente de fogo que descansa na região do chakra básico, esperando por sua ascensão ao longo do eixo da coluna, passando por todos os chakras, em especial Ajna, chamado também de O Terceiro Olho, para então alcançar o centro coronário da iluminação espiritual. Essa subida é representativa da união mística de Siva e Sakti. Sem esquecermos que na Bíblia, a Serpente é a responsável por ter aberto nossos olhos, e que as palavras hebraicas para serpente, Nachash, e para Messias, Messiah, tem uma relação gemátrica essencial de igualdade. Ao meu ver, podemos também traçar uma relação mistérica da figura mítica de Medusa com Luzia, mas isso exigiria um pouco mais de reflexão da minha parte, fosse pra estabelecer uma conexão válida ou pra descartar a ideia.

Santa Luzia, portanto, tem em si muitos atributos que a correlacionam com a Mãe-Bruxa Lucífera, consorte de Tubalo-Lúcifer, o marcial Ferreiro Celeste, do círculo de Dezesseis Deuses-Fiéis como apresentados no Culto Sabático de Andrew D. Chumbley. Ela é a Virgem Donzela da Luz, de uma fascinante expressão estelar, radiante em pureza, beleza e amor, servindo muito bem como uma máscara iconostática da força Iluminadora e Reveladora, tão necessitada de contato nesses tempos crueis de obscuridade e ignorância.

Que Santa Luzia abençoe-nos com sua Luz,
Cuidando dos nossos olhos, do corpo e da alma,
Pra que possamos enxergar com clareza
A Verdade e a Beleza do Mundo!

Pelo Olho, pela Tocha Flamejante e pela Serpente,
Abençoados sejam!

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RITO DO VASO DE LUZ



Nos sete dias de curso e crescimento da Lua Nova acenda uma Chama Sagrada, podendo ser uma vela branca, azul clara, rosa ou verde, preparada com o sigilo de Lucífera, no altar voltado para o Leste, a Nascente da Luz, frente a uma imagem de Santa Luzia, utilizada como máscara da Bruxa-Mãe Lucífera, o bruxo alinhará seu espírito com o propósito do rito, pra então declarar:

Eu me dirijo aos espíritos da terra,
Vós que sois Guardiões de tesouros ocultos,
Pra que, igualmente, sejam meus guias
Rumo à conquista do Ouro Saturnino,
A semente ígnea divina enterrada
No barro negro da minha carne mortal!

Ofertas de incenso e resinas aromáticas devem ser feitas aos espíritos, preferencialmente os de aroma mercurial e/ou venéreo. O bruxo se concentrará em sua própria natureza serpentina. Que ele veja a semente ígnea à altura do seu umbigo, uma tímida faísca abafada no âmago de sua alma, porém persistente. Mantendo a imagem, ele rezará:

Ó, Santa Luzia,
Donzela Lucífera,
Alma da Serpente que consagrou
Nossos olhos com a visão verdadeira.
Conservai os olhos do meu corpo
Pra que eu possa vislumbrar
A verdade e beleza do mundo.
Conservai os olhos da minha alma
Pra que eu possa ser guiado
Pela tua Luz de Sabedoria,
Com discernimento e bom julgamento,
Libertando-me do engodo das aparências
Do mundo material.

Visualize a faísca se transformando num fogo branco que vai se alastrando e subindo paulatinamente pela coluna vertebral em movimentos serpentinos. Recite a fórmula mântrica NAHA-Zh-ARAF, até que a serpente tenha alcançado a nuca, o bruxo visualizará seu crânio tomado por luz e fogo, como a auréola de luz na cabeça dos homens e mulheres santos, e em sua testa ele visualizará um olho ainda fechado. Nesse estado meditativo, onde ele estará diretamente conectado ao Reino Empíreo dos Deuses (dada relação microcósmica de sua coluna com o Eixo do Mundo, o topo da coluna, ou seja, a Cabeça-Templo onde habita a Mente-Espírito), ele recitará o seguinte encantamento:

He, He, He
Irin Benni-Aelohim
Ayin, Ayin, Ayin

À medida que é recitado o olho vagarosamente se abrirá. Quando ele estiver totalmente aberto, irradiando luz, erga seus braços para o Céu e termine dizendo:

Ó, Santa Luzia,
Virgo Sabbati,
Medusina Rainha Bruxa,
Vós que sois Pureza e Percepção!
Eis que a Serpente despertou pela Antiga Aliança,
O Olho se abriu para a ascensão de Qafa!
Sede favorável a nós, ó, Lucífera, vossos filhos!
Amém!

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Mephisto Ben Naha'Azh-Deha

2 comentários:

  1. Parabéns por sua pesquisa querido. Apreciei muito seu empenho. Que Santa Luzia lhe abençoe sempre, e nunca permita que as trevas encubram seus olhos imortais.
    Abração,
    Cléber

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  2. E faça-se Lux àqueles que procuram com a taça vazia!
    Amém!

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