Dona
Zilda trabalhou aqui em casa parte da minha infância. Como qualquer
criança matreira, eu arquitetava planos pra surpreendê-la com um susto
inofensivo e darmos umas boas risadas. Ficava ali escondido, esperando o
momento da emboscada, mas dava pra trás quando, por vezes, percebia que
Dona Zilda conversava com mais alguém, alguém que visivelmente nunca
estava ali. Um dia ultrapassei a barreira das
brincadeiras puxando um assunto que ainda se salientava tímido entre
meus interesses e perguntei com quem ela conversava. Dona Zilda, a quem
muitos chamavam "macumbeira", como vim a descobrir em histórias futuras,
me falou de seus guias invisíveis. "Mas a senhora escuta eles? Como?".
Ela ria. Dona Zilda, que só sabia escrever o próprio nome, foi a
primeira a me ensinar sobre uma sabedoria que tinha, literalmente, de
ouvido, a de que cada um de nós temos um espírito que nos acompanha e
auxilia, e que mais do que um aparente exercício de eloquência e
argumentação com os próprios pensamentos, ao lhe dirigir a palavra em
horas perdidas do dia, num tempo fora de tempo, ele respondia com a
mesma clareza com que se dirigisse a ele. Então, aos poucos fui
voluntariamente me calando e me ensurdecendo para os ruídos do mundo, pra
que de uma maneira especial eu pudesse falar e ouvir os ecos que de
certa forma me alcançavam, esmagados ainda, nas entrelinhas dos meus
próprios pensamentos. E descobri: tão sábia é a voz que vem do silêncio!