terça-feira, 22 de outubro de 2013

A voz que vem do silêncio...

Dona Zilda trabalhou aqui em casa parte da minha infância. Como qualquer criança matreira, eu arquitetava planos pra surpreendê-la com um susto inofensivo e darmos umas boas risadas. Ficava ali escondido, esperando o momento da emboscada, mas dava pra trás quando, por vezes, percebia que Dona Zilda conversava com mais alguém, alguém que visivelmente nunca estava ali. Um dia ultrapassei a barreira das brincadeiras puxando um assunto que ainda se salientava tímido entre meus interesses e perguntei com quem ela conversava. Dona Zilda, a quem muitos chamavam "macumbeira", como vim a descobrir em histórias futuras, me falou de seus guias invisíveis. "Mas a senhora escuta eles? Como?". Ela ria. Dona Zilda, que só sabia escrever o próprio nome, foi a primeira a me ensinar sobre uma sabedoria que tinha, literalmente, de ouvido, a de que cada um de nós temos um espírito que nos acompanha e auxilia, e que mais do que um aparente exercício de eloquência e argumentação com os próprios pensamentos, ao lhe dirigir a palavra em horas perdidas do dia, num tempo fora de tempo, ele respondia com a mesma clareza com que se dirigisse a ele. Então, aos poucos fui voluntariamente me calando e me ensurdecendo para os ruídos do mundo, pra que de uma maneira especial eu pudesse falar e ouvir os ecos que de certa forma me alcançavam, esmagados ainda, nas entrelinhas dos meus próprios pensamentos. E descobri: tão sábia é a voz que vem do silêncio!